– Aos 9 anos, eu já estava na beira do fogão – conta Santos, que diariamente percorre as quatro casas.” Jornal O Globo, revista Rio Show, 15/07/11
Ainda sob impacto do excelente episódio do programa A Liga, exibido ontem, sobre trabalho escravo, e refletindo durante a semana sobre o que é ou não exploração do trabalho infantil, minha reflexão vai um pouco além, mais para perto de nós, dentro de nossas casas.
Nos últimos dias, por conta de empreendimentos que estão em andamento, junto com meu marido-sócio-companheiro e por estarmos reorganizando nossa rotina, a fim de facilitar nosso trabalho doméstico (já que não contamos com empregada), os mais velhos, #aos8 e #aos10, são chamados e também manifestam vontade em ajudar (em muitas horas, confesso, é uma ajuda bem-vinda). #aos10 foi mais além, querendo aprender e dar uma força também nos negócios.
As tarefas normais deles não são poucas: escola, inglês, leituras, atividades extraclasse. Além do pleno direito que eles têm de ser simplesmente crianças. Será certo então deixá-los se envolver tão cedo assim nesses assuntos?
Na época de minha adolescência a Carteira Profissional podia ser tirada aos 14 anos (hoje somente é permitido aos 16). Lembro que com 12, 13, eu já estava ansiosa para exercer alguma atividade, seja em loja, lanchonete, o que aparecesse. Acabei só começando aos 16, pois minha mãe não permitiu antes disso. Conheço pessoas que têm negócios onde os filhos participam, mesmo que timidamente, desde cedo, mesmo que seja para arrumar uns papéis na gaveta ou simplesmente ficar olhando. Há crianças que adoram ir para a cozinha ajudar, que arrumam seu quarto, que trocam uma fralda do irmãozinho mais novo em um momento de aperto. Pergunto novamente: isso pode ser considerado exploração?
Essa mesma sociedade que critica quando damos alguma tarefa a mais para nossas crianças, permite que o trabalho escravo seja amplamente utilizado na construção, no agronegócio, em confecções, com tudo devidamente consumido depois sem culpa (e muitas vezes custando caro). Acha normal (ou finge que não vê) crianças pedindo dinheiro no sinal, sendo exploradas e até alugadas para exploração pelos adultos que deveriam por elas zelar. Ou vê com bons olhos meninas desfilando com visual de adultas, em clima de competição feroz ou ficando mais de 12 horas num casting para um anúncio de tv.
Situações degradantes de trabalho e exploração, obviamente, devem ser duramente denunciadas e combatidas. Existe, inclusive, uma PEC tramitando pelo Congresso a respeito, cuja proposta prevê o confisco das propriedades rurais onde forem constatadas situações assim. Existe pressão e temos que fazer mais ainda, e com muito barulho, para que seja aprovada pelo Governo. Iniciativas semelhantes existem para evitar a exploração de mão de obra infantil.
O que questiono é que se hoje em dia alguém contar que deixou o filho de 9 anos pilotar um fogão (sob a supervisão e proteção dos responsáveis), cortar uma salada ou mesmo varrer seu quarto, é capaz de chamarem o Conselho Tutelar e a pessoa ser processada por incentivar o trabalho infantil (e escravo). Vivemos uma época de histeria travestida de boas intenções politicamente corretas (das quais o inferno está cheio), visando teoricamente o bem estar de nosssas crianças, quando as ações que realmente importam não ganham tanta projeção e importância.
Na segunda semana de julho, circulou pelas redes sociais o excelente texto da jornalista Elaine Brum para sua coluna na Época falando da blindagem imposta pelos pais aos filhos em relação a frustrações, tendo eles a obrigação de prover felicidade a seus rebentos. Quando eles descobrem que o buraco é mais embaixo, fazem beicinho. Não estão preparadas para a vida e não sabem o que é colaboração, coisa cada vez mais valorizada e necessária.